"Um dia o peito desenferruja e a gente abre mão do que há de vir" (Gabito Nunes)

sábado, 30 de abril de 2011

Estou numa fase em que nada me parece bom e agradável o suficiente. Sempre fica aquele gostinho de que faltou alguma coisa pra ficar perfeito, tipo festa sem balão. Tudo bem, eu sei muito bem quando isso começou...
Começou quando ele estralava os dedos olhando pra janela, procurando fugir dali. Indecifrável. Mas o tal do sexto sentido, bem aguçado em mim, como até mesmo ele dizia, me deixava intuir em que esquina o seu eu havia adentrado, e a que decisões seu coração havia chegado. Esperei em silêncio, usando suas meias, agarrando os joelhos forte contra meu peito que sentia medo. Até que seus dedos não estralavam mais. Percebeu então que deveria dizer alguma coisa. Entretanto, ao invés disso, me olhou demoradamente e segurou minha mão. E os nós já se formavam na minha garganta... Segurou-me em seu colo por um segundo, e aquilo havia sido mais doloroso do que qualquer uma de nossas discussões, pois tinha cara de despedida.
Fez questão de dizer que nos veríamos por aí, antes de abrir a porta e um buraco dentro de mim. Deixou-me com uma saudade apertada e com a dúvida de o que vem depois, em cima da mesa de centro. E foi. Só.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Divina Comédia


Ao invés de ficar falando sobre como está quente ultimamente, e do quanto a cor do sofá não combina com a cor da parede, porque não fala de nós? Ou de você? Ou de qualquer coisa mais relevante do que seu time de futebol? Parece tão difícil assim?
Cansei que tentar preencher o silêncio toda hora, relatando meu dia e até repetindo as mesmas histórias. É aquela sensação de que você vive sozinho, mas com alguém do seu lado, sabe? Chega a ser triste, não saber o que se passa na mente da outra pessoa, se ela quer o mesmo que você, se ela vive o sentimento na mesma intensidade que você.
Até abre a boca, em intervalos quase programados, mas não pronuncia palavras com significativa importância, não deixando, portanto de ser silêncio. Um silêncio até mais incômodo que o de sempre.
Então permanecemos “calados”, e nos perdemos no cenário da sala quase vazia. Um abajur estampado, uma tevê, um rádio velho, você e eu. Elementos inanimados de uma peça em que o silêncio protagoniza todas as cenas. Não há nem variação de começo, meio ou fim, o enredo é imutável. E nem sabemos se estamos próximos, ou não, do último ato.

domingo, 24 de abril de 2011

Espera


As seis horas da tarde chegaram novamente, a sétima vez na semana. Algo muito provável, lógico, mas diferente nessas últimas vezes. Elas vieram completamente sozinhas, silenciosas e vazias. Sem nem um sorriso, uma flor, um riso. E esperei, ansiosamente a qualquer sinal, ao que a respiração cansada ofegava. E esperava. Acelerava o coração a cada mover do ponteiro do relógio. Em um total estado de espera. Uma angústia machucando, igual pedra no sapato. E que droga, como aperta! 
E não aparece. Nem sinal, nem ligação, nem pombo correio. E vai acumulando no peito todas essas esperas, chegando ao ponto em que vira rotina. Esperar. Manhã, tarde, noite. Amanhã, depois e depois de amanhã. Já perdeu a graça, e é quando penso em desistir que você pensa em ligar. Pra recomeçar... Mas só se for recomeçar a infindável espera.

sábado, 23 de abril de 2011

Ele não se importou em esperar,

...pelo menos acho que não. É que jurava que fosse mais cedo, mas me assustei com a pressa do relógio. Fiquei um pouco envergonhada com a bagunça da minha casa, porque tive que deixá-lo lá, esperando, entre copos sujos e DVDs espalhados pela sala. Espero que não tenha se importado com isso também. “Para de roer essa unha!”, foi o que disse quando saí do quarto. Ele até se assustou, parecia meio distante. “Estamos atrasados”, ele disse sem muito entusiasmo na voz. Espiei pra ver se ainda havia unhas em seus dedos, ele até achou engraçado. “Estou pronta”, disse, no mesmo tom sem graça. Descemos as escadas, escuras, há mais de uma semana com a lâmpada queimada. Entramos no carro, mas não estávamos com a mínima vontade de sair dali, mesmo que não havíamos dito isso ao outro. Chovia, e pensávamos os dois na mesma coisa. Ele abriu a boca pra pedir se eu tinha certeza que queria ir, suspirei de alívio em pensamento e não me demorei em dizer que não, que preferia não ir. Ele esperava que eu o convidasse pra entrar, e eu esperava que ele aceitasse. Ainda bem que aceitou. Concordamos no fim que tinha sido bem melhor assim. Que a companhia de copos sujos e DVDs pelo chão era bem melhor que a companhia de rostos desconhecidos, vozes irritantes alteradas pelo álcool e cheiro de cigarro. Que era mais confortável e quente o abraço do outro do que uma cadeira gelada, em um bar gelado, com bebidas geladas, e chegamos a nos perguntar por que casais costumam fazer isso. Então, nada melhor e confortável que um amor e uma sala bagunçada.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Acordos de Paz

Acordei mais tarde hoje, não que estivesse cansada, mas nada me atraía para levantar. Nem o bolo de laranja com cobertura de chocolate em cima da mesa, nem o sol que já brilhava alto, nem o rádio ligado desde que havia ido deitar. Na verdade, o quarto relativamente escuro servia de escudo a tudo que estava lá fora, roupas sujas, obrigações, pessoas e decepções. Então era tão cômodo ali, e seguro também. Nada poderia me ferir...
Quase intocável, a não ser pelo lençol amarelo e pelo travesseiro quase velho, mas que confortava corpo e alma. E a solidão tem seu lado doce afinal. Você se encontra cara a cara com o seu eu, pra acertar certas questões que te incomodam. Faz bem, digamos assim. Entretanto, não deve ser eternamente longa. Deve seguir proporcional à sua necessidade de se resolver consigo mesmo e firmar acordos de paz em guerras dentro do seu próprio ser.
Uma manhã na cama, em um quarto relativamente escuro, afundado em seu travesseiro quase velho, ou novo, não é perda de tempo, não quando você resolve marcar um encontro com você mesmo, pra resolver seus grandes probleminhas e pra chegar a acordos diplomáticos, pelo bem geral do seu coração.

domingo, 17 de abril de 2011

Menino

Ele não sabia precisar o motivo de estar ali, na minha frente chorando como menino que ralou o joelho. Só me dizia que se fosse esse o motivo, não estaria doendo tanto. Não consegui dizer mais do que “O que houve?”, e nem fazer nada além de segurar firme a sua mão. Já era difícil sustentar meu próprio mundo. Nessa hora, sustentava o dele também. Não que não fizesse isso com toda a ternura que merece, mas é que aquilo não estava sendo fácil nem pra mim. Ver seu sorriso, sempre tão aceso, apagado entre soluços e afogando-se em lágrimas, era algo realmente deprimente. E eu mal sabia o que se passava, quanto mais o que deveria fazer. Não lembro quanto tempo ficamos daquele jeito. Até agora nem sei o que aconteceu realmente. Mas, quando ele foi embora, me abraçou e disse que se sentia bem melhor, respirava mais calmo minha confiança de que as coisas ficariam bem, e de que nada era tão ruim o quanto parece. Conseguiu até sorrir um meio sorriso, mas que já serviu para aliviar a atmosfera pesada cercando meu coração, e para iluminar um pouco as últimas horas do longo dia.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Oportuno

Observou a luz fraca que vinha da sala e se perguntou se deveria bater. Estava um pouco frio, e já era tarde, melhor voltar outra hora... Como se tivesse adivinhado, a garota abriu a porta ao primeiro passo que ele firmava no sentido contrário. Estava realmente surpresa, mas conteve de leve o sorriso.
-Que faz por aqui?
Ele pensou se deveria ser sincero, ou inventar qualquer coisa. Procurou nos bolsos da camisa e da calça, mas não encontrou coragem alguma. Ficou com a segunda opção.
-Pode emprestar alguns fósforos?
Ela juntou as sobrancelhas, e um sorrisinho formou-se em tom de frustração no seu rosto corado.
-Claro, entra...
Estendeu-lhe uma caixinha minúscula, metade vazia.
Aparentemente já tinha o que queria, e poderia assim, agradecer e ir embora. Mas não estava satisfeito, na verdade, nem ela.
Como se quisesse uma chance para prolongar a conversa, a garota ofereceu-lhe um café.
-Sem açúcar, por favor.
Enfim, já não havia a necessidade de se dizer mais nada. Aquele momento já bastava, e falava por si só. Tanto que amanheceu, e a caixa de fósforos nem saiu da casa dela.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Além do que sabe


O sono excessivo foi desculpa pra não ligar, e o compromisso inadiável foi desculpa pra não deixar você vir me ver. Não é que não quero sua companhia, ou é. Mas é que agora, mesmo sem você saber, muita coisa se passou, além do que você já sabe. Não falamos sobre “nós” desde o primeiro sábado da primavera, que já se foi faz tempo, e nessas quantas semanas feitas de mais segundas do que o normal, seus passos, que já não seguem o caminho da minha casa, foram guias da minha solidão. Todos os seus gestos continuaram por me afetar, e você não sabe o quanto lembranças podem pesar e cavar buracos.
Que o susto foi maior que a possibilidade de manter minhas feições tranquilas, ao cruzar com você dividindo meu doce preferido com uma baixinha com cara de cão-que-caiu-da-mudança, você já sabe, e a alpinista de meio-fio também, porque isso ficou mais na cara do que o interesse dos Estados Unidos no petróleo do Iraque.
Se isso é tão óbvio, por que me procura? Se me vê passando rápido, fingindo pressa pra não olhar pros lados, se sente minha respiração ofegar, o coração bater cansado e triste quando me olha nos olhos, se minha pele arrepia quando se sente próxima ao calor da sua, e as palavras perderem o rumo e o tom quando se dirigem aos seus ouvidos... Se ao menos viesse pra ficar...
 E isso está além do que você sabe, ou sente, ou vê. Mas é o que pesa e machuca no meu peito, desconhecido, o além.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Final de domigo


Seu corredor quer me levar, e eu só quero que você me peça pra ficar. Hoje eu quero descansar em paz, no teu colo quente, nesta manhã de domingo e aproveitar o cheirinho de novo da tua camisa verde. Quero gastar o tempo na tua boca até as cinco da tarde, que é quando você diz que é melhor me levar pra casa, senão fica tarde. E te fazer ir devagar, o mais devagar possível, pra olhar pro pôr-do-sol e pra parar pra um sorvete. E te pedir pra entrar, pra não perder o costume, e te ouvir dizer “Só dez minutos”, pra não perder o costume. E ver os dez minutos passarem-se em duas horas longas com massagem na nuca. E ouvir sua voz igual a canção de ninar, de você prometendo voltar. E segurar seu dedo mindinho acreditando em cada palavra, mas sabendo que essa noite não vou dormir de forma alguma, porque quando você sai meu pensamento vai junto e dorme contigo à dois quilômetros de mim. E ficamos eu e um buraco. Um buraco de muita-falta no travesseiro do lado. Se você ficasse aqui comigo, minha mente não me deixaria, mas acabo por perdê-la desse jeito. E desisto do sono, que é perca de tempo, vou ver TV que ganho mais.